2.12.10

Brasil: luta de classes e o golpe de 1964

       Aos operários e trabalhadores rurais do nordeste brasileiro, vítimas da miséria de um sistema racista e explorador.

I.                      Introdução

            Quando desde os países industrializados se fala das ditaduras na América Latina acostuma-se referir-se à liderada por Augusto Pinochet no Chile ou à ditadura argentina dos anos 1976-83. Com efeito, estas foram sem dúvida ditaduras particularmente violentas e brutais, verdadeiros genocídios. Mas não se deve esquecer que na mesma época, nos anos 60 e 70, quase todos os países latino-americanos encontravam-se baixo regimes ditatoriais atrozes. Neste sentido, o Brasil foi um dos primeiros países em cair numa dessas ditaduras sangrentas, no ano 1964. Com efeito, assassinatos, torturas, sequestros, perseguição política, exílio forçado, duros ataques contra os trabalhadores e os camponeses pobres, proibição dos partidos políticos e sindicatos, etc. foram alguns dos métodos utilizados pelos militares brasileiros no poder.
            No entanto, esta situação não se produz de um dia para outro, não foi um relâmpago num céu azul. Com efeito, as lutas sociais, no campo como na cidade, atingiram um nível altíssimo no período que vai da década de 50 até o golpe em 1964. As razões desta situação foram, por um lado, os problemas ligados ao atraso econômico histórico do país (latifúndio e milhões de camponeses pobres sem terra no campo; débil desenvolvimento industrial e forte dependência dos países industrializados, nomeadamente dos EUA, na cidade); e, por outro lado, a crise econômica que sacudiu o país nos anos 50.
            O problema do campo no Brasil tem longa data. Com efeito, todo o desenvolvimento econômico do Brasil está marcado pela relação de dependência com a metrópole primeiro e com as nações imperialistas depois. No primeiro momento, o Brasil se limitava ao role de fornecedor de matérias primas, de produtos agrícolas e minérios para a metrópole e, no segundo momento, já sob a influência da Inglaterra industrial, passou a ser considerado também como um mercado consumidor potencial. Assim, esta relação com os países desenvolvidos permitiu ao Brasil  atravessar,  mais ou menos diretamente, todas as etapas de desenvolvimento capitalista, mas, evidentemente, sempre desde uma posição de dependência. “O capitalismo brasileiro tem portanto origem colonial, vinculado à economia capitalista européia em suas diversas fases, num sistema baseado sobre a mão de obra escrava e destinado à exportação de produtos agrícolas. Sua economia original não era nem feudal, nem escravista, nem propriamente capitalista, mas uma singular combinação desses elementos[1]. É precisamente esta estrutura econômica atrasada e dependente que determina a situação social no campo brasileiro. A burguesia brasileira nasceu no campo e não na cidade; sua riqueza se apoiou na concentração da terra e na exploração do trabalho escravo. Não temos que esquecer que o Brasil foi um dos últimos países em abolir a escravidão e que mesmo após a abolição não se resolveu de modo algum o problema do latifúndio. Por causa da falta de recursos próprios para sobreviver, depois de terem saído da escravidão colonial os ex escravos, transformados em “Homens livres”, tiveram que voltar a ela, mas desta vez baixo sua forma moderna: o trabalho assalariado. Esta situação, vai determinar a luta de classes no campo brasileiro ao longo da historia até nossos dias: proprietários latifundiários de um lado, camponeses pobres sem terra doutro. A reforma agrária constituirá a reivindicação histórica determinante para as massas camponesas exploradas.
            Outro dos fatores fundamentais que determinaram a luta de classes no período que abordamos neste trabalho (o pré-64), foi a crise econômica que começou a mediados da década de 1950. Com efeito, a queda do preço internacional do café, a partir de 1955, afetou enormemente a economia do país. De fato, a situação agravou-se ainda mais por causa da aumentação de remessas de lucros das empresas estrangeiras instaladas no Brasil para as casas matrizes. Assim, “o superávit de 194 milhões de dólares em 1956 transformou-se num déficit de 180 milhões já em 1957, que saltou para um déficit de 253 milhões em 1958[2]. É assim que o Estado brasileiro encontrava-se numa situação praticamente de quebra. O efeito imediato foi uma inflação insuportável para as massas populares. Com efeito, as lutas contra o aumento da carestia da vida foram as primeiras que se desenvolveram na época, dando inicio, junto com o surgimento das Ligas Camponesas,  a um período pré-revolucionário no país.
*****
            A concepção dialéctica materialista da historia, desenvolvida por Karl Marx e Frederico Engels no século XIX, nos diz que a história de toda sociedade até nossos dias não é mais que a história das lutas de classes. É dizer, o motor da historia são os interesses econômicos (materiais) antagônicos das diferentes classes sociais. Assim, o resultado da luta de classes determina em última instância os sistemas políticos, as diferentes formas de Estado, as ideias religiosas e morais, as leis... Esta concepção opunha-se ao idealismo segundo o qual o motor da historia seriam as ideias politicas ou religiosas; é dizer, a ideia precederia a experiência concreta... “O materialismo consiste em reconhecer a existência de “coisas em si” ou por fora do espírito; as ideias e as sensações são, segundo ele, copias ou reflexos das coisas. A doutrina contrária (o idealismo) considera que as coisas não existem “por fora do espírito”...[3]. O idealismo levado até as últimas consequências, nos conduz a duvidar até da existência dos outros seres humanos, da natureza... ao solipsismo!     
            O que tentaremos demonstrar neste trabalho é que o golpe de Estado de Abril de 1964 foi a alternativa pela qual optaram a burguesia local e o imperialismo, nomeadamente norte-americano, para, de uma parte, quebrar a resistência dos operários e dos camponeses pobres aos “planos de austeridade” (congelamento de salários, redução do gasto publico, etc.) dos governos para encarar a crise; e, doutra parte, para liquidar a luta por suas reivindicações fundamentais. Em definitiva, que a ditadura foi o resultado da luta entre os interesses econômicos antagônicos e inconciliáveis das diferentes classes sociais e não a luta pela defesa de tal ou tal “ideal puro” desligado da realidade concreta, material.

   II.             Luta de classes no pré-64

          A) As Ligas Camponesas

            A questão agrária é fundamental na história do Brasil. O campo teve desde sempre um papel determinante na economia do país. Mas, desde o velho latifúndio até os monopólios agrários capitalistas de hoje, subsiste uma característica fundamental: a concentração da terra. Este é o fator principal que determinou e determina toda luta social entre as classes no campo brasileiro.
            Com a introdução de métodos de produção capitalistas no campo, as lutas sociais intensificaram-se. Assim,“as contradições no campo brasileiro eram aceleradas pela combinação entre êxodo rural devido à industrialização acelerada e a degradação das condições de vida no meio rural – expulsão dos camponeses de suas terras-, (…) disputa entre o plantio e a criação de gado que se valoriza muito com o adensamento populacional das grandes cidades. De conjunto, todo esse processo, acrescido da expansão da produção açucareira no Nordeste (…) empurrava a classe capitalista do campo contra os trabalhadores rurais[4]. Neste contexto, surgiu no interior de Pernambuco no ano 1955 a Liga Camponesa da Galileia. Esta Liga representava um principio de organização dos trabalhadores rurais e dos camponeses pobres no calor da luta de classes, utilizando métodos de guerra civil como a luta armada. É assim que no ano 1959 a Assembleia do Estado de Pernambuco se viu obrigada a desapropriar o Engenho da Galileia em favor dos camponeses em luta. Este acontecimento, adicionado à revolução cubana, teve um impacto fortíssimo entre os camponeses brasileiros, o que permitiu dar um salto qualitativo na luta contra o latifúndio. As Ligas desenvolveram-se desde o fim da década de 50 e “Já no segundo semestre de 1963, segundo registro nos arquivos do Exército brasileiro, as Ligas Camponesas atingiam 18 dos 22 estados brasileiros existentes à época, com 218 Ligas no total concentradas sobretudo no Nordeste, mas também em estados importantes do centro sul, segundo os números que seguem: 64 ligas em Pernambuco, 15 na Paraíba, 12 no Maranhão, 10 no Ceará e 9 na Bahia; 15 em SP, 14 no RJ, 12 em GO e 11 Espírito Santo. Em seu momento de auge, as Ligas afirmavam contar com 500 mil afiliados, e um número ainda maior de simpatizantes, que apenas não se filiavam ao movimento devido à perseguição criminosa exercida pelos latifundiários[5].
            Esta situação explosiva no campo brasileiro atirou a atenção dos Estados Unidos que enviou soldados para o nordeste brasileiro. O conflito no campo brasileiro foi o principal fator de preocupação para os interesses do imperialismo norte-americano na época. Pela sua parte, a burguesia brasileira encontrava-se dividida no que diz respeito à questão agrária. Por um lado, uma ala “nacionalista” (ligada à burguesia e aos latifundiários prejudicados pelo avance do capital imperialista) que defendia um certo número de concessões aos camponeses controladas pelo Estado para acalmar os ânimos em algumas regiões onde a luta social era muito forte. Por exemplo, no caso mencionado da desapropriação do Engenho da Galileia “o governador Cid Sampaio decretou a desapropriação das terras do velho engenho decadente, com pagamento de gorda indenização ao proprietário (que já não fazia uso da terra havia muitos anos) e impondo a divisão da terra em lotes sob critério de comissões estatais, transformando de imediato uma parcela daquelas famílias que vinham lutando conjuntamente em pequenos proprietários, impondo o deslocamento de uma grande maioria das mesmas famílias. Essa medida, transformada pelo mesmo Cid Sampaio em modelo para uma política burguesa de “colonização”, nada mais era do que a maneira reacionária de “atender” às reivindicações inadiáveis das massas camponesas. Com essa política, que incluía a divisão da terra em lotes administrados em seu conjunto por funcionários do Estado, com diversas restrições ao uso, e com sua posterior venda aos camponeses beneficiados, o governo procurava atingir o duplo objetivo de, por um lado, responder cirurgicamente àquelas regiões precisas onde havia maior luta de classes, e por outro lado, favorecer algum desenvolvimento capitalista em regiões despovoadas onde ele simplesmente não existe[6]. Esta ala contaria a partir de 1958 com o apoio aberto dos Estalinistas do PCB.
            Por outra parte, tínhamos uma ala mais “dura” apoiada nas forças armadas e no imperialismo norte-americano que não confiava na saída mais consensual. Esta ala se reagrupava na União Democrática Nacional (UDN) civil e militar. Para ver claramente a posição desta ala podemos citar o editorial do jornal “O estado de São Paulo” do 18/06/1960 onde se diz ao respeito da desapropriação do Engenho de Galiléia: “Ao criticarmos, não faz ainda muitos dias, a absurda iniciativa do governador Cid Sampaio, de desapropriar as terras do Engenho Galiléia para, num ilícito e violento golpe no princípio da propriedade, distribuí-las aos empregados daquela empresa, previmos o que disso poderia resultar. A violência seria, como foi, considerada uma conquista das Ligas Camponesas, e acenderia a ambição dos demais campesinos assalariados, desejosos de favores idênticos (...) o movimento ganhará novas proporções, atingindo as classes proletárias das cidades...”[7]. Esta citação testemunha da pouca confiança que tinham a burguesia nacional e o imperialismo nas próprias capacidades de contenção “pacífica” das massas. É por isso que apostaram à saída repressiva contra os camponeses. 
            No entanto, as Ligas nunca conseguiram nem criar um “Partido Camponês”, nem criar uma verdadeira unidade entre os camponeses pobres e os trabalhadores rurais, de uma parte, e os operários das cidades, doutra; o que era fundamental para obter a satisfação de suas demandas. É que à composição social heterogênea da classe camponesa (que reagrupa desde os trabalhadores rurais sem terra até os latifundiários) faz impossível que esta construa um partido camponês independente da burguesia ou do proletariado. Por esta razão, era fundamental que os trabalhadores rurais e os camponeses pobres se unissem com o proletariado das cidades para assim satisfazer suas demandas históricas. Como primeira conclusão, podemos dizer que os camponeses pobres, como os operários das cidades, careciam de uma ferramenta indispensável: uma direção centralizada num grande partido revolucionário. Neste sentido, a política traiçoeira do PCB foi determinante. Em definitiva, com o decorrer dos anos as Ligas foram perdendo forças, mas só foram liquidadas com o golpe de Estado e a perseguição política que vieram completar a repressão começada pelos bandos paramilitares dos latifundiários.

            B) As greves operarias e a renúncia de Jânio Quadros

            Nas décadas de 50 e 60 a economia brasileira conheceu um processo de reconversão: passava de uma economia “clássica” (produção têxtil, alimentos, madeira, couro, etc.) a uma economia mais moderna ligada aos capitais estrangeiros (produção de produtos manufacturados, automóveis, metalurgia, electrodomésticos, etc.). Progressivamente, a produção moderna foi tomando uma importância relevante na economia nacional comparada com a produção “clássica”. Assim, nos anos 50 “enquanto o crescimento da indústria tradicional esteve na casa dos 0,88% ao ano, a indústria moderna crescia a 6,6%”[8]. Esta transformação permitiu o surgimento de grandes parques industriais como o ABC Paulista.
            É assim que ressurge uma grande força social: o proletariado industrial. “A classe operária cresce numericamente, aumenta sua concentração em determinados centros produtivos. Marcada por fluxos e refluxos conjunturais, desenvolve-se uma curva ascendente de greves que têm como eixos centrais a luta contra o aumento da carestia de vida, que constituía um componente central do modo de acumulação de capital utilizado pela burguesia nestes anos, mas que vão ganhando, com o passar dos anos, crescentes níveis de politização e de radicalização; passando a combinar-se com ondas de saques a depósitos e armazéns em 1959 e chegando atingir, em de 1960, mais de 1 milhão e meio de trabalhadores em suas várias paralisações”[9].
            A partir de 1961, com a renuncia de Jânio Quadros e a tentativa de golpe de militar do mesmo ano, essas greves tomaram um carácter político. Com efeito, a defesa das liberdades democráticas básicas da parte dos operários dos grandes centros industriais abrirá um período revolucionário no Brasil, onde a falta de uma direção revolucionaria se revelaria, uma vez mias, catastrófica para os trabalhadores brasileiros.
            Nas eleições de 1960 Jânio Quadros, o candidato da UDN, representante da alta burguesia nacional e dos interesses do imperialismo norte-americano, resultou vitorioso com um grande apoio popular. Mas ao mesmo tempo, no posto de vice presidente resultou eleito, não o candidato a vice presidente da UDN, mas João Goulart o postulante a vice presidente do candidato da coligação PSB-PTB, Henrique Lott. Goulart era um dos líderes mais importantes do PTB e desde 1958 defendia as chamadas “reformas de base”, “um conjunto de leis destinadas a fortalecer o capital nacional frente ao imperialista, como a restrição às remessas de lucros para o exterior; a oferecer algumas concessões que buscavam manter e conter as massas, como por exemplo a lei de reforma agrária, ou que combatiam a especulação imobiliária, mas que ao mesmo tempo também serviam ao desenvolvimento do mercado interno para a realização dos lucros capitalistas e à disputa contra interesses oligárquicos que dificultavam o desenvolvimento da indústria; e a implementar algumas medidas democrático-formais que também poderiam fortalecer sua base de sustentação, como o direito à base do exército de votar e ser eleita[10]. Este perfil político fazia dele muito impopular para aos olhos da UDN, o que teria grandes consequências no futuro imediato.
            Em 1961, com o agravamento da crise econômica, a relação de J. Quadros com a base popular foi deteriorando-se. Nesse contexto, Quadros presentou sua renúncia, uma manobra política para obter uma posição forte e poder governar sem a pressão do Congresso. O cálculo político de Jânio se baseava na hostilidade da UDN civil e militar contra Goulart, o vice-Presidente: o alto mando militar, a grande burguesia nacional e o imperialismo não aceitariam a posse de Goulart e tentariam um golpe; isto traria como consequência a resistência da população e assim, para calmar os ânimos, Jânio voltaria “à Presidência aclamado pelas massas, pelos setores entreguistas das Forças Armadas e pelo grande capital norte-americano e nacional, com autoridade suficiente para que o Congresso lhe outorgasse poderes especiais que lhe permitissem governar sem necessidade do apoio da maioria dos deputados”[11].
            Efetivamente, a burguesia opus-se à posse de Goulart mas não se convenceu pela proposta de Jânio, considerando-a muito aventureira. Assim, ela se preparava para dar um golpe de Estado. Paralelamente, a resistência popular se organizava mas também sem aclamar pela volta de Qudros. Deste modo, se abria um período revolucionário onde a divisão entre as diferentes capas burguesas, de um lado, e o confronto direto entre a burguesia e o proletariado, doutro, determinaram o desenvolvimento dos acontecimentos. Como vemos, o cálculo de Jânio Quadros resultou exato mas somente num 50%.
            Já no dia 25 de Setembro, dia da renúncia de Quadros, podiam-se ver claramente dois blocos que expressavam as divisões burguesas: dum lado, o sector abertamente golpista agrupado na UDN militar e civil que mobilizou o I e II Exércitos; doutro, o sector “nacionalista” que reagrupava o PTB, com uma grande importância de L. Brizola (governador do RS, ala “esquerda” do PTB), distintos sectores da  burguesia e que contava com o apoio do PCB. Este bloco defendia a posse de Goulart e mobilizou o III Exército para este fim. Assim, o Brasil se achava ao borde da guerra civil.
            Ao mesmo tempo, a irrupção das massas na luta contra o golpe foi outro fator determinante. “Se por um lado Brizola demonstrava de fato disposição para resistir militarmente ao golpe, encabeçando as classes dominantes petebistas do RS e em conjunto com o III Exército, por outro lado teve uma política consciente para conter a intervenção das massas sob o controle do governo, da polícia, do Exército e da burocracia sindical, negando-se a distribuir armas para a população e trabalhando para conter a explosão de uma greve geral no Estado”[12]. Com efeito, no dia 26 diferentes categorias profissionais deflagram greves políticas por a defesa da posse de Goulart; no dia 30 formou-se o Comando Geral de Greve (CGG).
            Esta irrupção espontânea das massas, junto com o perigo de guerra civil em caso de afrontamento entre os I e II Exércitos com o III Exército, foi determinante para que todos os sectores da burguesia nacional se unificassem e chegassem a um pacto conciliador: o sector golpista aceitava a posse de Goulart mas limitando seus poderes. Desta maneira, tínhamos objetivamente um recuo do sector golpista mas não uma vitoria do sector vinculado com o PTB de Brizola e Goulart. O que realmente temiam tanto um como outro bloco burguês era perder o controle sobre as massas, que em caso de guerra civil poderia ser irreversível. Para este fim, a politica de conciliação de classes dos Estalinistas do PCB, que optou por uma ala da burguesia, impediu que se desenvolvesse uma politica independente dos trabalhadores dos diferentes setores da burguesia e do imperialismo. No entanto, esta saída do conflito não resolveu de nenhuma maneira a crise politica e econômica; ao contrario, a etapa revolucionaria intensificou-se e só foi fechada com o golpe de 1964.
            Para dar um último exemplo da combatividade dos trabalhadores nesta época, citemos a greve geral de Julho de 1962 após a renúncia do Primeiro Ministro de Goulart, Tancredo Neves. Com efeito, a instabilidade do regime surgido da “resolução” da crise da renúncia de J. Quadros era tão profunda que menos de um ano depois da posse de Goulart, o seu Primeiro Ministro, Tancredo Neves, teve que renunciar. O Congresso, onde dominavam as forças da alta burguesia e dos latifundiários, propôs no seu lugar o conservador Auro Moura Andrade mas, pela pressão das massas, este nem pôde assumir. É que o recuo das forças golpistas e a posse de Goulart era vivida pelas massas trabalhadoras como uma vitoria e portanto não podiam aceitar a imposição por parte dos golpistas de um conservador como chefe do Governo. Assim, a burguesia pro-americana recuou uma vez mais ante o movimento de massas, que deflagrou a greve geral política mesmo depois de o candidato conservador ter renunciado ao posto. Essa greve permitiu não somente a Goulart, que tentou evitar a deflagração da greve, aprovar seu governo no Congresso, mas também a obtenção do mês 13 de salário para os trabalhadores. Outras das conquistas do proletariado através das greves políticas de antes do golpe foram: a libertação dos grevistas presos, a sindicalização dos trabalhadores rurais e o aumento do salário mínimo em Janeiro de 1963. 

III.               O golpe

            Desde o segundo semestre de 1963, o governo se achava paralisado: “se por um lado Goulart utiliza o prestígio conquistado através do plebiscito[13] para implementar uma política de austeridade contra as massas e tentar se aproximar do imperialismo; por outro lado, justamente porque o movimento operário cumpria um papel central na sustentação de seu governo, ele não foi capaz de implementar as medidas de repressão às greves que eram necessárias para desindexar a economia (interromper a cadeia de aumento de salários e preços que pressionavam para cima a inflação) e com isso levou à falência o Plano Trienal”[14].
            Esta situação levou a burguesia nacional e o imperialismo norte-americano a optarem pela saída golpista para assim poder implementar as medidas necessárias à transformação econômica do país. Desde o golpe falido de 1961 o trabalho de cooptação da alta oficialidade e da oficialidade média, que tinham defendido a posse de Goulart então, foi muito eficaz. Igualmente, a propaganda anti-comunista da UDN e a situação de inflação, jogaram nos braços dos militares uma fracção importante das classes médias.
            De sua parte, “os EUA expediram para o Brasil, na operação que ficou conhecida como Brother Sam, um porta-aviões, destróieres de apoio, dentre os quais um com mísseis teleguiados, navios carregados de armas e mantimentos, assim como quatro petroleiros com combustível para jatos, gasolina de avião, óleo diesel e querosene; sete aviões de transporte, 110 toneladas de armas, oito aviões de caça, oito aviões tanque etc. Segundo seus próprios depoimentos, os golpistas se preparavam para uma resistência que poderia durar até 30 dias”[15].
            Para começos do ano 1964, a polarização politica era altíssima... os golpistas só esperavam um pretexto para por em marcha o golpe. Este chegou no dia 24 de Março com a “rebelião dos marinheiros”[16] e com o discurso de Goulart no Automóvel Clube do Rio o 30 de Março. Na noite do 31 de Março para o 1 de Abril os militares dão o golpe. A resistência dos trabalhadores foi impotente: eles precisavam era de armamento para resistir! As direções oficiais (PCB, PTB de Goulart e Brizola, etc.) os traíram e uma dura repressão se abateu sobre o proletariado e os camponeses pobres. O golpe liquidou todas as organizações dos trabalhadores (sindicatos, partidos, etc.) através da perseguição, do exílio forçado, da tortura e evidentemente do assassinato. Assim começava a ditadura mais sangrenta do Brasil.

IV.                  Conclusão

            Com o golpe militar de 1964 fecha-se violentamente uma etapa convulsionada no Brasil. Com efeito, a necessidade de reorientação da economia nacional encontrou-se com um movimento de massas ascendente, tanto no campo como nos centros urbanos, que saia a lutar por suas reivindicações históricas. Esta situação dificultava a implementação pacífica dos planos burgueses de reconversão econômica.
            O novo modelo econômico de desenvolvimento precisava de uma mão de obra barata, flexível e produtiva... é dizer, de aumentar a taxa de exploração. Para este fim era preciso um proletariado dócil e maleável. Mas este não era o caso do proletariado brasileiro. Frente a este problema a burguesia se dividiu. As opções eram essencialmente dois: um Bonapartismo de direita ou um Bonapartismo de “esquerda”: “Como dizia Trotsky na década de 1930: Nos países industrialmente atrasados o capital estrangeiro cumpre um papel decisivo. Daí a relativa debilidade da burguesia nacional em relação ao proletariado nacional. Isto cria condições especiais de poder estatal. O governo oscila entre a relativamente débil burguesia nacional e o relativamente poderoso proletariado. Isto dá ao governo um caráter bonapartista sui generis. Se eleva, por assim dizer, por cima das classes. Na realidade pode governar ou bem convertendo-se em instrumento do capital estrangeiro e submetendo o proletariado com as cadeias de uma ditadura policial, ou bem manobrando com o proletariado, chegando inclusive a fazer-lhe concessões, ganhando deste modo a possibilidade de dispor de certa liberdade em relação aos capitalistas estrangeiros”.
“Se o polo burguês encabeçado pela UDN civil e militar corporificava a primeira tendência descrita por Trotsky, a um bonapartismo sui generis de direita, apoiado sobre o imperialismo e as Forças Armadas, para a realização de contra-reformas de ataque direto às massas, submetendo o movimento operário e camponês mais diretamente à repressão; a fração burguesa representada por Jango, Arraes e, como variante mais radical dessa mesma tendência histórica, por Leonel Brizola, representava a segunda, isto é, uma forma de bonapartismo mais apoiada sobre o movimento de massas, porém sem romper seus laços com os latifundiários, as demais frações burguesas e com o imperialismo”[17].
            Por sua parte, o proletariado das cidades e os trabalhadores rurais e camponeses pobres no campo, se bem mostravam certa disposição à luta, não conseguiram levantar uma alternativa política independente da burguesia e do imperialismo. No caso do campo, a impossibilidade endêmica de criar um partido camponês independente e, mais ainda, a incapacidade que mostraram os camponeses de levantar uma política de colaboração com o proletariado urbano, foram exemplos claros disto. O proletariado por sua parte, se bem lutou heroicamente contra a tentativa de golpe de Estado de 1961, não pôde criar um partido revolucionário poderoso capaz de adoptar uma linha de independência política das fracções burguesas reagrupadas detrás do PTB de João Goulart e de Leonel Brizola. Neste sentido é de se destacar o role contra-revolucionário do PCB: no campo os Estalinistas defendiam as ridículas e totalmente insuficientes “reformas de base” do PTB e nunca procuraram a unidade dos operários e dos camponeses pobres; na cidade a sumição do PCB ao PTB e à burguesia “nacionalista” levou os operários à impotência contra a reação golpista.
            Assim, vemos que foi uma combinação entre crise econômica, transformação da estrutura produtiva, resistência popular e, em definitiva, de luta de classes o que preparou o terreno para o golpe de Estado no Brasil. O golpe foi a solução que a burguesia encontrou para poder impor seu modelo de desenvolvimento as amplas massas.

      I.            Bibliografia

·           O processo revolucionário que culmina no golpe de 64 e as bases para a construção de um partido revolucionário no Brasil, Dissié Teses Brasil, Liga Estratégia Revolucionária-Quarta Internacional, http://www.ler-qi.org/spip.php?rubrique288
·           Matérialisme et empiriocriticisme, Lénine, 1908.
·           Sobre a questão agrária e as Ligas Camponesas”, Edison Salles http://www.ler-qi.org/spip.php?article108
·           O ascenso operário e camponês na década de 50 e a abertura de uma etapa revolucionária em 1961”, Daniel Matos, http://www.ler-qi.org/spip.php?article307
·           O movimento operário em meio à crise nacional (1961-64)”, Edison Salles, http://www.ler-qi.org/spip.php?article265

      I.            Filmografia

·           “Cabra Marcado para morrer”, Eduardo Coutinho, Mapa, 1983.
·           “Os fuzis”, Ruy Guerra, Copacabana filmes, 1964.
·           “Pra frente Brasil”, R. F. Faria, EMBRAFILME, ????





[1]             “O processo revolucionário que culmina no golpe de 64 e as bases para a construção de um partido revolucionário no Brasil”, Liga Estratégia Revolucionária-Quarta Internacional, http://www.ler-qi.org/spip.php?rubrique288
[2]               “O processo revolucionário...”; op. Cit.
[3]    Lenine, Materialismo e empiriocriticismo; 1908.
[4]               “O processo revolucionário...”; op. Cit.
[5]               Edison Salles, “Sobre a questão agrária e as Ligas Camponesas, http://www.ler-qi.org/spip.php?article108
[6]               “O processo revolucionário...”; op. Cit.
[7]    Citado em O processo revolucionário...”; op. Cit.
[8]               “O processo revolucionário...”; op. Cit.
[9]             Daniel Matos, “O ascenso operário e camponês na década de 50 e a abertura de uma etapa revolucionária em 1961”, http://www.ler-qi.org/spip.php?article307
[10]  Idem.
[11]  Idem.
[12]          “O processo revolucionário...”; op. Cit.
[13]  Se trata do plebiscito de Janeiro de 1963 sobre o parlamentarismo ou o presidencialismo, onde a opção defendida por Goulart, o presidencialismo, ganhou.
[14]           Edison Salles, “O movimento operário em meio à crise nacional (1961-64)”; http://www.ler-qi.org/spip.php?article265
[15]          “O processo revolucionário...”; op. Cit.
[16]           “Nesse dia, 2 mil marinheiros desacatam ordem do ministro da Marinha e comemoram o aniversário de sua Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais. Diante da ordem de prisão dos organizadores, correm à sede do Sindicato dos Metalúrgicos do RJ em busca de solidariedade. Enviam um contingente de fuzileiros navais para atacá-los, porém estes se confraternizam com os rebelados. O CGT ameaça com greve geral em 28 de março se não houver anistia aos amotinados, o que é concedido pelo novo ministro da Marinha”. E. Salles, “O movimento operário em meio à crise nacional (1961-64)”, op. Cit.
[17]          “O processo revolucionário...”; op. Cit.

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